Carlos Lúcio Gontijo
Vivemos um tempo em que é tão raro alguém
largar, abandonar ou afastar-se do exercício de cargo de alto relevo que, ao
renunciar, o Papa Bento XVI abriu uma grande discussão, envolvendo inclusive
todo o mundo religioso, pois o normal é a busca de permanência e até luta por
mandatos consecutivos, como se deu no Brasil, com a adoção da reeleição para que
Fernando Henrique Cardoso obtivesse um segundo
mandato.
Independentemente de tudo e qualquer coisa, o império da filosofia
materialista nos impele a procurar fama e projeção social, como se isso
representasse garantia infalível de felicidade. Detectamos com tristeza que nem
o nosso sistema de ensino conseguiu fugir da ditadura imposta pela propaganda de
exaltação às celebridades, aplicando uma didática em que há pouco espaço para a
leitura e estudos mais relacionados com a filosofia ou a arte, como se fosse
possível formar cidadão verdadeiro com o simples domínio de alguma área do
conhecimento.
Nossos
jovens são levados a escolher uma profissão, numa decisão que vale para a vida
inteira, baseados na tese de mercado, que lhes ensina que a preferência deve
estar sempre ligada a funções mais bem remuneradas, sem a mínima consideração do
fator vocacional, determinando a mais contundente frustração de um punhado de
advogados, médicos, jornalistas, dentistas, engenheiros etc.
Não resta
a menor dúvida de que a sociedade necessita é de contar com pessoas
bem-sucedidas no que fazem e, principalmente, bem resolvidas emocionalmente e,
portanto, capazes de enfrentarem os reveses da existência humana sem ter que
recorrer ao álcool ou às drogas, que têm ceifado a vida de muitos de nossos
jovens, revertendo a velha lógica de os filhos sepultarem seus
pais.
Aqui
em Santo
Antônio do Monte, cidade do centro-oeste mineiro onde hoje
moro, não passa um mês sequer sem a notícia de morte de algum jovem nas estradas
que dão acesso ao município. Pode parecer tolice aos menos atentos a afirmação
de que o menosprezo com que se trata a cultura no Brasil tem muito a ver com o
desapreço pela vida e pela quase total incapacidade de amar e respeitar ao
próximo a que assistimos em nossos dias de louvor ao individualismo
extremo.
O
Congresso Nacional, em boa hora, acaba de desmembrar a Comissão de Educação e
Cultura. Ou seja, a cultura tem agora uma comissão exclusiva, atendendo à
realidade que nos conduz à certeza de que educação é diferente de cultura.
Educação é sol e alimento para a mente, ao passo que cultura é o horizonte, o
caminho, o estabelecimento de limites, a noção de valor, a observância moral, o
comportamento ético. Sem cultura, nos deparamos com cidadãos detentores de
diplomas e, ao mesmo tempo, desprovidos de sensibilidade sociocomunitária, uma
vez que não aprenderam a dividir o aprendizado adquirido, o que os impede de
contribuir para a construção de um planeta Terra banhado em presente promissor e
disposto a manter (e preservar) um meio ambiente mais adequado à vida das
futuras gerações.
Papa Bento
renunciou não apenas ao cargo, mas ousou distanciar-se de honrarias, pompas e,
acima de tudo, dos aplausos fáceis com que a sociedade bajuladora e interesseira
costuma premiar todos os que se investem de reluzente poder, a ponto de a
maioria dos governantes ou dos entronizados em todo e qualquer ofício usar todas
as armas de que dispõe para permanecer chefe da “tribo”. Talvez, ao decidir-se
pela renúncia, o Papa Bento XVI tenha levado em conta o fato de ter como
mecanismo de defesa apenas a oração diante de um mundo tanto em desordem
explícita quanto sem lugar nem espaço para alguma crença em Deus, sobre o qual o
Papa Bento XVI espargiu a água benta da renúncia.
Carlos Lúcio
Gontijo
Poeta, escritor e jornalista
Secretário de Cultura de Santo
Antônio do Monte