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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A água benta da renúncia

                                 Carlos Lúcio Gontijo
      
       Vivemos um tempo em que é tão raro alguém largar, abandonar ou afastar-se do exercício de cargo de alto relevo que, ao renunciar, o Papa Bento XVI abriu uma grande discussão, envolvendo inclusive todo o mundo religioso, pois o normal é a busca de permanência e até luta por mandatos consecutivos, como se deu no Brasil, com a adoção da reeleição para que Fernando Henrique Cardoso obtivesse um segundo mandato.
       Independentemente de tudo e qualquer coisa, o império da filosofia materialista nos impele a procurar fama e projeção social, como se isso representasse garantia infalível de felicidade. Detectamos com tristeza que nem o nosso sistema de ensino conseguiu fugir da ditadura imposta pela propaganda de exaltação às celebridades, aplicando uma didática em que há pouco espaço para a leitura e estudos mais relacionados com a filosofia ou a arte, como se fosse possível formar cidadão verdadeiro com o simples domínio de alguma área do conhecimento.
       Nossos jovens são levados a escolher uma profissão, numa decisão que vale para a vida inteira, baseados na tese de mercado, que lhes ensina que a preferência deve estar sempre ligada a funções mais bem remuneradas, sem a mínima consideração do fator vocacional, determinando a mais contundente frustração de um punhado de advogados, médicos, jornalistas, dentistas, engenheiros etc.
       Não resta a menor dúvida de que a sociedade necessita é de contar com pessoas bem-sucedidas no que fazem e, principalmente, bem resolvidas emocionalmente e, portanto, capazes de enfrentarem os reveses da existência humana sem ter que recorrer ao álcool ou às drogas, que têm ceifado a vida de muitos de nossos jovens, revertendo a velha lógica de os filhos sepultarem seus pais.
       Aqui em Santo Antônio do Monte, cidade do centro-oeste mineiro onde hoje moro, não passa um mês sequer sem a notícia de morte de algum jovem nas estradas que dão acesso ao município. Pode parecer tolice aos menos atentos a afirmação de que o menosprezo com que se trata a cultura no Brasil tem muito a ver com o desapreço pela vida e pela quase total incapacidade de amar e respeitar ao próximo a que assistimos em nossos dias de louvor ao individualismo extremo.
       O Congresso Nacional, em boa hora, acaba de desmembrar a Comissão de Educação e Cultura. Ou seja, a cultura tem agora uma comissão exclusiva, atendendo à realidade que nos conduz à certeza de que educação é diferente de cultura. Educação é sol e alimento para a mente, ao passo que cultura é o horizonte, o caminho, o estabelecimento de limites, a noção de valor, a observância moral, o comportamento ético. Sem cultura, nos deparamos com cidadãos detentores de diplomas e, ao mesmo tempo, desprovidos de sensibilidade sociocomunitária, uma vez que não aprenderam a dividir o aprendizado adquirido, o que os impede de contribuir para a construção de um planeta Terra banhado em presente promissor e disposto a manter (e preservar) um meio ambiente mais adequado à vida das futuras gerações.
      Papa Bento renunciou não apenas ao cargo, mas ousou distanciar-se de honrarias, pompas e, acima de tudo, dos aplausos fáceis com que a sociedade bajuladora e interesseira costuma premiar todos os que se investem de reluzente poder, a ponto de a maioria dos governantes ou dos entronizados em todo e qualquer ofício usar todas as armas de que dispõe para permanecer chefe da “tribo”. Talvez, ao decidir-se pela renúncia, o Papa Bento XVI tenha levado em conta o fato de ter como mecanismo de defesa apenas a oração diante de um mundo tanto em desordem explícita quanto sem lugar nem espaço para alguma crença em Deus, sobre o qual o Papa Bento XVI espargiu a água benta da renúncia.
       Carlos Lúcio Gontijo
        Poeta, escritor e jornalista
       Secretário de Cultura de Santo Antônio do Monte

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