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terça-feira, 10 de maio de 2011

O professor e o sambista


Carlos Lúcio Gontijo

O Brasil conseguiu a inclusão de praticamente todas as suas crianças ao ensino fundamental, mas não alcançou ainda melhoria significativa no ensino ministrado e sequer se encaminhou para a indispensável valorização do professor, que exercita a única profissão em que a falta de profissionais capacitados não se reverte em imediato aumento de salário. Ou seja, o que assistimos é à triste constatação do inegável abandono em que se encontram os professores e professoras, que se nos apresentam cada vez mais desgastados e, ao mesmo tempo, tanto cobrados quanto pressionados por diretores de escola, bem como pelos alunos e pelos seus pais, como se o objetivo de todos fosse lhes negar toda e qualquer autoridade dentro das salas de aula.

Indubitavelmente, os anos cuidaram de passar aos professores a certeza de que os cidadãos têm hoje na escola não uma casa de educação, mas uma simples creche e abrigo para seus filhos enquanto eles cuidam de seus afazeres no trabalho, onde ganham o sustento da família. Foi a partir daí que os espaços educacionais tiveram que se empenhar em se equipar para garantir lazer a seus alunos e tornar quase tudo numa espécie de brincadeira, uma vez que não é nada fácil atrair a atenção de quem, na plenitude física da geração e desgaste de energia, vive na reclusão de seus lares, ao feitio de ameba, diante de um computador ou da tela de uma televisão. E, convenhamos, é pra lá de esdrúxula essa história de professor ser, num só instante, administrador de conteúdo e animador de auditório, com a finalidade de prender a atenção de aluno que não quer aprender, mas tão-somente passar de ano como seus pais exigem que aconteça não de seus filhos, mas de seus mestres, que chegam a ser agredidos quando dão nota ruim aos relapsos pupilos, numa incrível disposição de deseducar a criança, mesmo ciente de que mais tarde poder-se-á se ver na contingência de castigar o adulto.

Diante de estrutura educacional assim deformada e desprovida de vocação reflexiva (rebaixada ao patamar de intolerável chatice), livros, revistas e jornais não encontram grande demanda de leitores, as indústrias não conseguem suprir suas necessidades de mão de obra, pois o ensino profissionalizante não decola e, quando existe, não atende às exigências das novas tecnologias aplicadas na informatização da produção. E, além do mais, o que se propaga é que todos os jovens apenas serão profissionalmente felizes se obtiverem uma formação superior, o que de forma alguma é premissa verdadeira. Basta para essa comprovação recorrer à realidade educacional experimentada por outros países – inclusive os inseridos no seleto grupo de nações desenvolvidas –, ou simplesmente observar o tanto de advogado distante da advocacia ou o punhado de jornalista, psicólogo, fisioterapeuta etc. fora do mercado de trabalho brasileiro.

O fato insofismável é que não se pode pretender progresso na área educacional sem a explícita valorização dos professores. Aqueles que (como nós) vieram de outros tempos se lembram de sua primeira professora e se recordam de sua extrema dedicação, mas naquele tempo ela só dava aula em um turno e em uma única escola. Não tinha que, premida pela procura de melhor situação financeira, pela absoluta escassez de tempo e pela impossibilidade de acrescentar horas ao relógio, mandar os alunos abrirem o livro em determinada página ou colocar um filme para rodar, enquanto assentada em frente aos alunos corrige provas de outras escolas e outros alunos.

Alicerçamos então um panorama de ensino em que a imensa maioria se acha embebida na cultura social da busca de um diploma de curso superior, aos moldes da composição musical, “Catorze anos”, do notável sambista Paulinho da Viola: “Tinha eu catorze anos de idade/ Quando meu pai me chamou/ Perguntou-me se eu queria/ Estudar filosofia, medicina ou engenharia/ Tinha eu que ser doutor/ Mas a minha aspiração/ Era ter um violão/ Para me tornar sambista/ Ele então me aconselhou/ Sambista (e o professor também, acrescentamos nós) não tem valor nesta terra de doutor”.

Carlos Lúcio Gontijo

Poeta, escritor e jornalista

www.carlosluciogontijo.jor.br

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