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terça-feira, 25 de maio de 2010

BACONLÂNDIA

Roberto Martins


O gênio da indústria americana de automóveis, Henry Ford, notabilizou-se por criar o sistema industrial de “linha de montagem”, onde o automóvel passou a ser construído em série, popularizando assim a sua condição comercial.

Já no final de década de 20, Henry Ford no auge da sua inovação industrial se depara com dificuldades na demanda crescente de borracha para confecção dos pneus e de outros componentes automotivos necessários na sua linha de montagem. Só entre 1920 e 1922, a quantidade de matéria-prima necessária para fabricação de pneus saltou de 19400 para 67100 toneladas. A borracha, obtida do látex extraído de seringueiras plantadas na Ásia, era monopólio inglês. Ford tentou driblar este monopólio e aproveitando-se de um estudo feito havia quatro anos pelo governo americano sobre a possibilidade de obter látex no Brasil, chamado American Rubber Mission, resolveu criar um braço amazônico para sua companhia, criando um projeto megalomaníaco para suprir suas necessidades desta matéria-prima aqui no Brasil, mais precisamente, no interior da selva amazônica.

O audacioso projeto incluía a construção de duas cidades à beira do Rio Tapajós, no estado do Pará, mas devido a uma sucessão de erros o projeto fracassou completamente depois de dezoito anos da sua implantação, deixando um saldo negativo de 9 milhões de dólares, da época.

O projeto de Ford já nasceu fadado ao fracasso, pois ao invés de negociar a concessão de uma área destinada à implantação do projeto junto ao governo brasileiro, que certamente teria lhe cedido gratuitamente em troca do desenvolvimento da região, os representantes da Ford Motors Company foram recepcionados no Pará pelo cafeicultor Jorge Dumont Villares, que lhes concedeu 1 milhão de hectares de terras que ele havia ganhado do governo do Pará, ao preço de 125 mil dólares. A Fordlândia (nome do local onde foi montada a primeira planta do projeto) nascia, dessa forma, de um golpe dado pelo brasileiro no americano, em cima de um terreno montanhoso – e ainda por cima impróprio para o plantio de seringueiras.

Uma cidade foi erguida no meio da floresta amazônica e como o acesso era impossível por terra, vieram dos EUA dois navios carregados com todos os insumos necessários para a construção da cidade e até as mudas de seringueiras que seriam plantadas. Em 1928 as casas já estavam prontas e parte do projeto de plantio já havia se iniciado. Jornais de todas as partes do Brasil propagandeavam a necessidade de mão-de-obra na região, dando notícias de um paraíso no meio da selva que recrutava trabalhadores - até sem experiência -, e pagava ótimos salários, com infra-estrutura de moradia e cobertura social completa. O alvoroço foi geral, pessoas de todas as partes do país se dirigiram pra lá e, uma vez lá, se depararam com uma realidade diferente da prometida.

Na Fordlândia a economia era fechada e tudo era centralizado e sob o comanda da empresa. Assim, o ótimo salário oferecido era minguado pelos descontos de tudo, moradia, alimentação, atendimento médico, até das ferramentas usadas no trabalho. Com o clima de floresta, as doenças entre os trabalhadores eram freqüentes e as dispensas eram efetuadas sem que o doente tivesse a assistência médica necessária ao seu restabelecimento.

A administração da Fordlândia se compunha de administradores americanos que vieram dos EUA com suas famílias. Moravam em ótimas casas construídas no projeto sob os padrões americanos de conforto, com campo de golfe, piscina, quadra de tênis, clubes e cinema, enquanto a casa dos trabalhadores era simples e sem nenhum conforto.

A cidade administrada por americanos, sob a regência social dos padrões americanos, causava descontentamento entre os trabalhadores, pois estavam acostumados a viver sob a influência cabocla regional marcada pelo ciclo do sol, e não se habituavam as leis rígidas impostas pela administração americana, marcada por turnos de serviços determinados pelos toques de sirene e com pequenos intervalos de descanso entre os ciclos. Havia relógios de ponto por toda parte. Os trabalhadores entranhados no meio da selva se sentiam oprimidos pelas rígidas obrigações do trabalho, a vastidão da floresta e a falta de diversão ou entretenimento que aliviasse esta carga social, pois também não era permitido o comércio de bebidas alcoólicas nos seus limites. Esta rigidez de costumes fazia com que a Fordlândia não fosse um local interessante de se morar, e a rotatividade de mão-de-obra era constante, pois a maioria não se habituava a prática severa exercida sobre os trabalhadores brasileiros e partiam dali. Aqueles que conseguiam ficar criaram práticas alternativas de diversão, como a cachaça contrabandeada que entrava no povoado pelo Tapajós dentro de melancias, e uma área na margem contrária do Tapajós, que ficou conhecida como a ilha dos inocentes e se consolidou como reduto de liberdade, com bebidas e mulheres à vontade. Prostitutas vindas de Belém e de Santarém migraram para o local e aliviavam a tensão na Fordlândia. O que a empresa americana permitia sobrar nos bolsos dos trabalhadores, as meretrizes aliviavam.

A relação social dificultada pelas diferenças culturais entre trabalhadores brasileiros e a administração americana do povoado foi deflagrada num motim que ficou conhecido como “quebra-panelas”, onde os insurretos, debaixo de gritos de “abaixo o espinafre”, se rebelaram contra a determinação da administração de servir espinafre quase todos os dias nas refeições. Os caboclos queriam a tradicional farinha com feijão, a carne seca e o abundante peixe regional na sua alimentação diária. Sofriam com a dieta alimentar do Popeye

Com o plantio atacado pelo mal-das-folhas, fungo que reduzia a produção de látex e acaba até por matar a árvore, o ritmo de implantação de seringais era lento. Em 1929 eram 400 hectares, vindo ainda em 1931 a se tornar 900 hectares, muito longe da meta inicial que era de 200 mil hectares.

Entre todas estas dificuldades o projeto se arrastava, mas depois do fim da Segunda Grande Guerra, Henry Ford teve o sonho abortado no projeto amazônico pela entrada da borracha sintética no mercado mundial, onde passou a ser produzida em larga escala em países como Japão, Alemanha e Rússia, o que tornou a borracha natural desinteressante. Além disso, a idéia de terceirização na montagem já estava ganhando força nas linhas e não se fazia mais necessário o esforço do montador em produzir todos os componentes de um automóvel.

Em 1945 o Grupo Ford abandona o projeto na Amazônia sem que o seu fundador tenha colocado o pé na sua planta. Vendeu o que restou do projeto ao governo brasileiro por 250 mil dólares. O que restou foram duas cidades quase fantasmas, Fordlândia, que hoje está entregue ao mato e outro povoado empreendido 50 km adiante, erguido para fugir da má condição climática e da geografia equivocada de Fordlândia. Belterra, como se chamou este segundo povoado, pela sua proximidade de Santarém tornou-se hoje um município com algum desenvolvimento e tem uma população aproximada de 17 mil habitantes.

Esta é só uma passagem histórica de mais um ciclo de exploração sem sucesso na Amazônia brasileira, a exploração irresponsável que segue o caminho da extração das suas riquezas, sem o devido estudo e preparação para o futuro, resultado do imediatismo nos lucros com que se manifestam os interesses dos que alavancam projetos mirabolantes dentro de uma diversidade e de uma condição inóspita inigualável. A lição deixada por esta passagem histórica reflete a frase que ficou conhecida por descrever verdadeiramente a região amazônica. “A Amazônia é uma terra rica, de homens pobres”.

Muitas décadas se passaram e no interior paulista alguns destemidos senhores empreendedores resolveram aperfeiçoar o projeto Fordlândia, corrigir seus equívocos e suas imperfeições, retirando deste novo projeto todos os lucros que Henry Ford não conseguiu. Trata-se do projeto BACONLÂNDIA.

O projeto consiste basicamente no ciclo explorativo das benesses vindas das lucrativas relações políticas entre o poder público e o privado, sem se produzir absolutamente nada, somente administrando de forma proveitosa os interesses desta relação obscura. É a forma mais limpa de se produzir capitais, pois nada arriscam, nada plantam, nada fabricam, nada comercializam, há não ser as próprias ações e relações.

Uma vez alçado um membro empreendedor deste projeto na administração pública, dentro do poder que de fato executa tudo, este canaliza e cria as ilusões necessárias para a cortina de fumaça que cobrirá a visibilidade de toda uma população de interessados. O próprio aproveitamento desta condição propicia a formação do capital empreendedor que alimentará esta ilusão.

Seguem a risca a cartilha de Ford, pois se fizeram donos de tudo e nós pagamos caro por qualquer coisa. Se quisermos abrir algum negócio, temos que pedir pra eles, depender da ajuda deles para que empreendam as instalações. Ao final, nós seremos meros locatários deles. Se o nosso negócio for contra os interesses deles, nada feito, todo tipo de obstáculo será colocado na nossa trajetória. Enfim, moramos de aluguel nas casas deles, boa parte das instalações públicas pagam aluguéis exorbitantes pra eles e nada acontece no povoado sem que não seja da vontade deles. Não temos um local diversificado de compras, pois os velhos e arcaicos comerciantes fazem parte do projeto BACONLÂNDIA, gente que não permite que se instale no povoado um comércio ágil e dinâmico, que faça concorrência para esta velha fórmula da venda de “cumpadi”, onde o consumidor deve encostar o carro na porta da sua loja e não terá tempo e nem espaço para fazer uma tomada de preços, caindo na armadilha e nas garras do velho comerciante que espera o consumidor na porta da sua loja, às vezes até servindo de flanelinha para o consumidor na hora de estacionar.

Shopping??? Só se for empreendido pelo empresário-mor que está à frente do projeto BACONLÂNDIA (vêm novidades por aí). Supermercados??? Só se for das duas redes já existentes e que abastecem o braço do assistencialismo imoral implantado na cúpula da assistência social do povoado. Cultura??? Só se vier das mãos aleijadas do parente postiço do prefeito do povoado. Esporte??? Agora inventaram uma versão profissional do esporte bretão para aliviar os bolsos do povo e servir de lavanderia ao mesmo tempo, mas, o tradicional incentivo as competições amadoras..., a planilha de custos deve estar jogada em algum canto lá na secretaria de esportes. Lazer??? Que me corrijam os libertos, mas lazer público, só sobrou à feira de quinta e o CLT Bufo ictericus, quando não é tempo de infestação do aedes aegypti, pois aí o risco é iminente.

Corrigindo os erros de Ford, os empreendedores do projeto BACONLÂNDIA liberaram a cachaça e promovem espetáculos pagãos deprimentes duas ou três vezes no ano para encher os bolsos dos protegidos do projeto de dinheiro, arrebatar eleitores simpatizantes (afinal quem não gosta de uma boa orgia, até eu que sou bobo) e alimentar o fogo da cortina de fumaça que encobrem todas as outras tantas ações implícitas, como desvio de dinheiro público, tráfico de influência e outros delitos até mais graves. Esta suposta presunção de liberdade que as festanças liberadas invocam é um delírio para o povão, pois se sentem incluídos e parte da festança. Mal sabem eles que, pagam a festa para que os grandões do projeto BACONLÂNDIA possam se divertir gratuitamente às suas custas.

Para que os colonizados não sofram a opressão da mesmice e não percebam a estagnação total das suas vidas direcionadas em estado de quase escravidão, além das festanças pagãs, outro negócio também floresceu com vigor no povoado. As chacrinhas destinadas à prostituição se multiplicam e este é o termômetro indicativo de que tudo está sob controle e dentro das metas pré-estabelecidas pelos planos de colonização.

O salário mínimo no povoado gira em torno do valor de 2 litros de uísque paraguaio, umas 4 latinhas de energético do mais barato e três kits contendo uma grama de pó e um comprimido de êxtase. Quem tem cartão de crédito pode esticar o mês e jogar à fatura para o seguinte. Quem sabe numa animada balada na Boate Tolo Mais, você não tem uma parada cardíaca e vai a pino, ou então é espancado até a morte pela gang de mauricinhos ou pelos seguranças da casa, não precisando pagar a fatura?!

No projeto Fordlândia os insurretos marcharam pra cima dos opressores para que Fordlância se tornasse um local digno de se trabalhar e possível de se morar.

No projeto BACONLÂNDIA não existem insurretos, o que insinua que o projeto de paraíso de se morar é nítido, mesmo não sendo um local de trabalho digno, todos se sentem confortáveis na condição de locatários do povoado e não de proprietários do povoado.

No resumo destas duas experiências empreendedoras, o resultado é a uma constatação parecida com a da região amazônica. “BACONLÂNDIA também é uma terra rica de homens pobres, porém administrada por meia dúzia de ricos que são pobres em todos os sentidos”, principalmente naquilo que o homem possui de muito precioso, sua moral.

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